Ensaio: O escritor e o barman.

Esse texto faz referência à musica "One for my baby, and one more for the road" de Frank Sinatra, e foi produzido ouvindo a mesma - repetidamente, por horas!



“...This is all about a guy as chick as flip...”

Escutando o bom e velho Frank introduzir a história de mais uma música da playlist acompanhado somente do belo piano de Bill Miller, do qual Frank Sinatra faz questão de apresentar e elogiar ao final da música, ele arrisca algumas palavras soltas na tela.

“…And he tells his misery to the bartender…”

Ele não está acostumado a escrever no computador, e demora um pouco para quebrar o gelo com a máquina; pensa: como as palavras deslizam mais fáceis com a caneta e o papel... Mas vai gostando do que encontra durante o texto que vai tomando forma diante de si.

“…There’s no one in the place, except you and me…”

Algumas palavras gaguejam um pouco para sair – certas coisas costumam ser difíceis de encarar.
Quando as coisas não andam muito fáceis, enfrentar pequenos problemas ou até mesmo mover os músculos para fazer algo concreto pode se tornar um desafio e tanto.
Ele pensa em largar o texto, pensa em se levantar, ligar a TV ou procurar qualquer coisa na geladeira – ele pensa em largar tudo. Mas não desta vez.
Ele sabe que esse texto é especial, é como se fosse a carta de liberdade da prisão. Uma prisão que ele não sabe como entrou, mas descobriu como sair a tempo.

“…I got a little story, you oughta know…”

A pior prisão em que se pode enclausurar um ser humano é a prisão criada por ele próprio. Quando ele cria, cria-se também a ilusão de que esta prisão é perfeita e inescapável. Pobre ilusão de criador, que encantado com sua criação, simplesmente não enxerga os defeitos.
Mas nesse caso os defeitos são bons; são a chance de fuga para o nosso prisioneiro.

Estar preso em uma ilusão é mais difícil do que aparenta ser. Não é possível julgar o que é verdade do que é apenas mais uma cela da prisão, separar a vida real de uma distorção mentirosa criada pela própria mente – uma prisão.

Quando as coisas estão difíceis, parece que todos os acontecimentos contribuem para complicar ainda mais. Acontece que as frustrações do cotidiano têm um efeito muito forte sobre nós. Pois quando queremos alguma coisa, qualquer coisa, criamos ilusões, pois nos imaginamos com nossos objetivos alcançados, nos projetamos em nosso desejo. Isso faz parte do processo. Mas quando o objetivo não é alcançado, é como se perdêssemos algo que já tínhamos. Em nossa imaginação, em algum lugar de nós, já havíamos alcançado nosso objetivo. E repentinamente ele nos é arrancado.

O sentimento de perda diminui fortemente a auto-estima, e pode causar pequenos traumas que vão se opondo à força de vontade para “querer” novamente. Esse “querer” pode significar projetar-se em alguma ação, seja para ganhar ou executar algo.

Os psicólogos chamariam isso de depressão. Mas esses mesmos “psicóticos” tratariam esse caso com drogas para inibir uma ou algumas regiões do cérebro que ficam ativas durante alguns processos sentimentais; e com isso derreteriam lentamente o cérebro de seu paciente.

É incrível como o cotidiano, com sua simplicidade, com sua rotina comum pode causar tantos problemas e teorias diversas para explicá-los. As doenças modernas surgiram como frutos do cotidiano em seu extremo. Não se falava em estresse e depressão algumas décadas atrás. Mas com o passar dos anos, o mesmo modo de vida foi sendo vivido pela maior parcela da população, e os efeitos colaterais foram se tornando o centro das atenções, pois, como não poderia ser diferente, afetariam essa maior parte da população.

As pesquisas sobre estresse são bem recentes, e caminham para uma conclusão na área de qualidade de vida. Área também recente, que em breve pode se tornar um “braço forte” da medicina. Décadas atrás ninguém queria saber de qualidade de vida, mas com o passar das décadas, a estimativa de vida foi aumentando, a qualidade dos últimos anos de vida passou a ter mais importância para a sociedade. Isso é ótimo, pois cuidará de um tratamento de nosso sistema biológico com um pouco mais de humanidade ao invés de “curar um sintoma” com medidas imediatistas sem pensar em longo prazo.

Qualidade de vida é obviamente importante para a auto-estima. De fato, auto-estima pode ser observada como uma das medidas da qualidade de vida. No entanto, existem profissionais que insistem em analisar “depressões” como se fossem médicos da década retrasada e receitar remédios tarja-preta para derreter cérebros como se fosse “cura”. É claro que existem “casos” e “casos”, e em alguns casos seja realmente necessário um tarja-preta para certo “problema psicológico”. Mas o fato é que depressão virou “doença da moda”, e sendo assim ficou mais fácil sucumbir ao pedido de um paciente que vai ao consultório e diz que precisa de Gardenal, pois está “com depressão”.

“...Just make one for my baby, and one more for the road...”

Décadas atrás, o remédio para depressão era um bom e velho uísque ou uma boa dose de cachaça “para esquecer os problemas” e uma boa desabafada com o barman; mesmo assim, ainda havia muitos casos de alcoolismo. Acontece que o cotidiano nos deixa expostos a frustrações diversas e nos resta enfrentar nossos fantasmas e tentar não se perder em um mar de ilusões deprimentes e se afogar.


“...But …I’m a kind of poet, and I got a lot of things to say...”

Ele ainda prefere escrever com papel e caneta.
Prefere seus poemas manuscritos, riscados e corrigidos com toda aquela bagunça no papel.
Acha que o texto adquire um pouco mais de personalidade, um pouco mais de humanidade quando está sob os limites do papel – mas ele gosta. Ele olha e se sente satisfeito.
Tem a sensação de que está tudo esclarecido, enquanto na verdade ele só colocou uma palavra em frente à outra...
O barman acena uma despedida.
Ele corresponde.


Dedicado aos companheiros de copo e aos barmans.

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